FISIOTERAPIAUFMG2010/1

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O FISIOTERAPEUTA NA SAÚDE PÚBLICA: EM DEFESA DA VIDA!*

Quando acadêmico de Fisioterapia, até dezembro de 1993, na UFSM (RS), me perguntava da minha atuação como futuro profissional, em que área, em que lugar, com que clientela, quais as expectativas. Creio ser a preocupação da maciça maioria dos estudantes, de qualquer área. A Fisioterapia, por sinal, oferece muitas possibilidades e a dúvida persiste, muitas vezes, após a própria formatura. Saímos da Universidade para enfrentar um mercado extremamente competitivo, com a responsabilidade de sermos éticos, profissionais, inovadores, além do desafio imposto de termos sucesso, autonomia financeira. Há muitas alternativas, mas o que decide, em boa parte dos casos, é a oportunidade de trabalho concreta.
A Saúde Pública é uma das alternativas menos consideradas, via de regra. Aliás, cabe aqui diferenciar Saúde Pública de Saúde Coletiva, ao passo que neste texto entendemos a primeira como aquela organizada e ofertado pelo poder público, pela via direta ou contratada, e que portanto segue as diretrizes inscritas na Constituição Federal de 1988, que descreve o Sistema Único de Saúde (SUS). Na Saúde Pública podemos trabalhar tanto na atenção individualizada quanto em Saúde Coletiva, onde, neste caso, o trabalho é dirigido para grupos de usuários. Faço o parênteses pois pretendo defender eminentemente a necessidade do fisioterapeuta estar mais envolvido na Saúde Coletiva, ampliando seu leque de atuação.
Mas, me pergunto do por quê a Saúde Pública ser tão pouco simpática à Fisioterapia e, dentre as possíveis respostas creio ser isto reflexo ainda da certa submissão histórica de nossa profissão à Medicina. Digo isto, pois percebo que também na Medicina aqueles que trabalham na rede pública, muitas vezes, são considerados inferiores em qualidade técnica, comparado com o profissional que tem a sua clínica, com clientela formada, geralmente de característica sócio-econômica mais estável. Daí que, “se o fisioterapeuta não tem a sua clínica de sucesso, por dedução, ele não é tão competente”. Generalizo, e exagero, de propósito, buscando causar a reflexão. Mas, de qualquer forma, o quadro que se “pinta” é que trabalhar em Posto de Saúde é atender “pobre”, ou “carente”.
Este quadro vem mudando, com certeza, mas não com a velocidade que merecia. Por exemplo, em janeiro de 2000, fiz levantamento junto aos municípios em que atuo na atualidade, que somam 41, e destes em apenas 9 haviam sessões de fisioterapia contratadas. É isso mesmo: sessões de fisioterapia, não fisioterapeutas. Os contratos mantidos entre administrações municipais e profissionais não previam, de fato, que este fizesse parte de uma equipe, mas que apenas prestasse o serviço. Será uma alternativa correta, que contribui para o fortalecimento da área no serviço público? Hoje, refazendo este levantamento, o número de municípios que oferece sessões de fisioterapia na rede pública ultrapassa 50%, mas o profissional continua não fazendo parte do quadro técnico. Ainda não estamos nas equipes de saúde dos municípios. Por quê?
Quando trabalhamos sessões de fisioterapia na saúde pública, trabalhamos eminentemente na velha lógica da relação terapeuta-paciente, tão somente. Não há participação em estratégias continuadas de promoção e prevenção em saúde, que lidam com maior número de pessoas, e não aproveitamos a chance de espraiar o conhecimento acumulado pelo fisioterapeuta. Ficamos, mais uma vez, restritos à reabilitação, ao tratamento, à abordagem dirigida ao já doente. Exemplo disto é a quase ausência do profissional no Programa de Saúde da Família (PSF), que tem se constituído numa estratégia diferenciada de atenção a população.
Particularmente, minha própria inserção em saúde pública deu-se por força de assumir a Secretaria Municipal de Saúde do município de Teutônia (RS), cidade de 25 mil habitantes, a 100 quilômetros de Porto Alegre. Foi uma experiência que revolucionou minha vida, tirando-me da segurança de uma clínica e jogando-me num sistema de saúde, no papel de gestor. Por 21 meses permaneci na função, desenvolvendo ações relacionadas a organização do SUS local, mas também participando e propondo atividades de Saúde Coletiva, especialmente dirigidas para a implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde, para a prevenção ao uso de drogas, à orientação para a sexualidade na infância e adolescência, à orientação quanto ao trabalho do trabalhador rural, entre muitas outras. O espectro de possibilidades de trabalho é enorme e a dimensão da inserção do fisioterapeuta neste contexto é muito grande.
Ocorre que, na verdade, não nos damos conta do tamanho deste trabalho possível. Senão, vejamos: quando, na clínica, ou no hospital, trabalhamos individualmente com nosso paciente, estamos reabilitando ou ampliando as condições de vida deste paciente. Um trabalho importante e imprescindível. Mas, na Saúde Pública, e em espacial na Saúde Coletiva, cada ação bem sucedida representa maximizar resultados, o que se prova pela redução paulatina da mortalidade infantil, ou da inexistência de casos novos de poliomielite, ou mesmo da redução do número de paralisados cerebrais. Mesmo em gestão da saúde, se o sistema está bem organizado, com fluxos, referências e contra-referências bem delineadas, estamos salvando vidas, concretamente. E aí que está a mágica da Saúde Pública: dá para salvar muitas vidas, usando menos recursos e com ações simples, aplicáveis na realidade cotidiana da população, carente de informação. Não quero dizer que a Saúde Coletiva é mais importante que o atendimento individualizado dentro da clínica: ambos são importantes, mas se dão em contextos diferentes.
Desde janeiro de 1999 ocupo a coordenação da 16a Coordenadoria Regional de Saúde (16a CRS), que é a representação da Secretaria de Estado da Saúde, do RS, no Vale do Taquari, e respondo por um total de 41 municípios. É uma experiência diferente daquela no município, pois a nossa ação é com as equipes de saúde dos municípios, e não prestamos serviços diretos ao usuário. O trabalho diz respeito a formação dos recursos humanos que trabalham na “ponta”, fazem a atenção na rede básica e hospitais da região. Além disso, nos cabe organizar a rede de saúde, a atenção básica, a média e alta complexidade, a implantação do SUS, garantindo acesso, vínculo, humanização no atendimento. Isto tudo é muito complexo, se considerar-se que destes 41 municípios quase a metade são pequenas cidades, com menos de 3 mil habitantes e, na verdade, somente 10 cidades tem mais de 10 mil habitantes, e isto significa falta de estrutura, especialmente deficiência nos recursos humanos, para atender a população da região.
Na 16a CRS temos equipe de 50 profissionais, onde contamos com 5 médicos, 3 enfermeiras, 1 odontólogo, 3 administradores de empresas, 1 nutricionista, 2 assistentes sociais, 4 psicólogas, 2 farmacêuticos, 2 veterinários, entre outros de nível médio. Não há outro fisioterapeuta no quadro efetivo estável, em que pese eu ocupar cargo em comissão (CC).Vejam que listei vários profissionais da saúde e a Fisioterapia não tem estado presente no setor público, nem no estado, nem no município. Por que? Qual o motivo? Tenho dito, em alguns fóruns, que para o fisioterapeuta ter o seu espaço nesta equipe multi-profissional ele precisa conquistar este posto, precisa convencer o gestor público de que ele é necessário. Para atuar em Saúde Pública, precisa transpirar saúde pública, estar participando dos Conselhos de Saúde, interagindo com os serviços, com usuários e estar se apropriando da linguagem do SUS. Aliás, de nada adianta ignorar e boicotar o SUS, pois é o sistema vigente e que está se fortalecendo rapidamente. Se remunera mal, o que é verdade, é importante que tenhamos uma ação firme que indique o valor justo a ser pago e que reconheça o nosso trabalho.
Com efeito, a Fisioterapia tem uma trajetória extraordinária e um futuro promissor, desde que tenhamos a clareza de que precisamos conquistar espaços na sociedade moderna, tão desigual e excludente. Na Saúde Pública o fisioterapeuta tem espaço. Podemos e devemos fortalecer esta inserção. Aliás, mais do que qualquer coisa, nosso grande dever é lutarmos arduamente pela nossa profissão, qualificando a atenção à população, em defesa da vida!

*Glademir Schwingel
Crefito 5- 15.500-F
Fisioterapeuta (UFSM/RS, 1993)
Especialização em Atividade Física e Saúde (UNISC/RS, 2000)

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