FISIOTERAPIAUFMG2010/1

sábado, 3 de abril de 2010


O Deficiente: Vítima da Ignorância e do Preconceito

por Terapia do Movimento




As pessoas vivem a rotina frenética, de casa para o trabalho, levando os filhos para escola e a todos os lugares, correndo atrás do tempo. Acham-se felizes, com o lazer obrigatório, sexo programado, consumo desproporcional do conforto tecnológico e “imprescindível” e, escravas da estética. Buscam sentir-se poderosas e potentes com suas vidas.
De repente, em ínfimos minutos, o inusitado ... o acidente.
As seqüelas podem ser dramáticas nas vidas destas pessoas, mas as acompanham dia a dia, um sofrimento não menos insignificante: a crueldade do preconceito em relação ao deficiente físico.
O preconceito às pessoas com deficiência configura-se como um mecanismo de negação social, uma vez que suas diferenças são ressaltadas como uma falta, carência ou impossibilidade. A deficiência inscreve no próprio corpo do indivíduo seu caráter particular. O corpo deficiente é insuficiente para uma sociedade que demanda dele o uso intensivo que leva ao desgaste físico, resultado do trabalho subserviente; ou para a construção de uma corporeidade que objetiva meramente o controle e a correção, em função de uma estética corporal hegemônica, com interesses econômicos, cuja matéria-prima/corpo é comparável a qualquer mercadoria que gera lucro.
As pessoas com deficiência causam estranheza num primeiro contato, que pode manter-se ao longo do tempo a depender do tipo de interação e dos componentes dessa relação. O preconceito emerge como um comportamento pessoal, porém não pode ser atribuído apenas ao indivíduo, posto que não se restringe a exercer uma função irracional da personalidade.

Por que de tanto Preconceito? Possíveis explicações:
O corpo marcado pela deficiência, por ser disforme ou fora dos padrões, lembra a imperfeição humana. Como nossa sociedade cultua o corpo útil e aparentemente saudável, aqueles que portam uma deficiência lembram a fragilidade que se quer negar. Não os aceitamos porque não queremos que eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos. É como se eles nos remetessem a uma situação de inferioridade. Tê-los em nosso convívio funcionaria como um espelho que nos lembra que também poderíamos ser como eles. Esse potencial, que é real, em vista das trágicas mudanças que nos podem ocorrer, é que nos faz frágeis, uma vez que queremos ser sempre completos e constantes.
O estigma, por ser uma marca, um rótulo, é o que mais evidencia, possibilitando a identificação. Quando passamos a reconhecer alguém pelo rótulo, o relacionamento passa a ser com este, não com o indivíduo. E, assim, idealizamos uma vida particular dos cegos, dos surdos, que explica todos os seus comportamentos de uma forma inflexível, por exemplo: ele age assim porque é cego.
Nesse processo de rotulação, o indivíduo estigmatizado incorpora determinadas representações, passa a identificar-se com uma tipificação que o nega como indivíduo. Essas pessoas passam a ser percebidas, a princípio, por essa diferença negativa, o que irá indicar fortemente como elas irão comportar-se.
A condição das pessoas com deficiência é um terreno fértil para o preconceito em razão de um distanciamento em relação aos padrões físicos e/ou intelectuais que se definem em função do que se considera ausência, falta ou impossibilidade. Fixa-se apenas num aspecto ou atributo da pessoa, tornando a diferença uma exceção. Vash (1988) descreve três tendências para explicar a desvalorização das pessoas com deficiência: a consideração do preconceito como algo biologicamente determinado, o questionamento psicossocial, segundo o qual no plano das relações sociais os diferentes são menos tolerados, e a tendência que a autora denomina político-econômica, em que ser deficiente resulta em mais custos para o sistema social, que envolvem desde a família até a sociedade mais ampla.
Amaral (1998, p. 16-17) descreve três versões do preconceito dirigido a essas pessoas: chama de “ generalização indevida” o juízo que transforma a condição de limitação específica de uma pessoa em totalidade, ou seja, ela torna-se deficiente por ter uma deficiência; “ correlação linear” é a disposição para elaborar relações do tipo “ se...então”, simplificando de forma demasiada o raciocínio, consolidando o preconceito pela economia do esforço intelectual. E o “ contágio osmótico” é o temor do contato e do convívio, numa espécie de recusa em ser visto como um deficiente. Inúmeras são as formas pelas quais o preconceito às pessoas com deficiência se constitui e é reforçado: pela educação escolar, pela mídia, nas relações familiares, pelo trabalho, pela literatura, entre outras.
Sabemos que os meios de comunicação, por si sós, não determinam modelos estéticos corporais; são, porém, um poderoso braço ideológico de divulgação e convencimento dos padrões selecionados e acionados pela indústria. A produção televisiva no Brasil, reconhecidamente intensa, e uma população vulnerável e receptiva aos seus produtos, devido ao baixo nível de escolaridade e rendimento, são componentes fundamentais para a legitimação de “ necessidades” e formas de satisfazê-las. A não-visibilidade das pessoas com deficiência no âmbito das relações sociais é o que determina sua ausência na mídia, posto que, na lógica da indústria cultural, não existem necessidades a elas relacionadas. Sendo assim, o silêncio sobre elas é anterior e exterior aos veículos de comunicação, e suas poucas aparições ficam restritas às campanhas publicitárias para arrecadação de recursos para as instituições filantrópicas que veiculam mensagens que as representam como vítimas ou como heróis.

Preconceito na História
Atuações preconceituosas e cruéis em relação às pessoas portadoras de deficiência física perpassam pela história. No Egito Antigo, consideravam que a deficiência era provocada por “maus espíritos”, sendo que a nobreza, os faraós, os sacerdotes e os guerreiros tinham acesso a tratamentos, enquanto os pobres sucumbiam nas mãos de charlatães, serviam como atrações em circos ou eram usados pelos sacerdotes para estudos e treinamentos de cirurgias.
Na civilização hebraica a discriminação era manifesta nas leis, Moises escreve em “Levítico” que o homem com deformidade corporal não pode fazer oferenda a Deus, e nem se aproximar de seu ministério. A deficiência era vista pelos antigos hebreus, como indicadora de impureza, remissão de pecados antigos, interferência de maus espíritos e das forças más da natureza, logo os deficientes tinham que esmolar para sobreviver, ficando expostos nas ruas e praças, e eram apenas tolerados pela sociedade.
A civilização romana também preconizava a perfeição e estética corporal, a deficiência era tida como “monstruosidade” fato que legitimava a condenação à morte dos bebês mal formados. Entretanto a exclusão dos deficientes continuou no discorrer da história. No Império Bizantino, a Igreja Católica em conjunto com o Estado, levava-os para mosteiros. A própria Igreja incumbia-se de realizar mutilações como punições por crimes cometidos. Na Idade Média, a deficiência era vista como atuação de maus espíritos e do demônio, sob o comando das bruxas, e também resultado da ira celeste e castigo de Deus, havia a segregação e os deficientes eram ridicularizados.

Nos dias de hoje, pleno século XXI, qual a realidade que se impõe?
No Brasil, temos uma verdadeira fábrica de crianças com Paralisia Cerebral quer seja pelas más condições de saúde e pré-natal das parturientes, quer seja por negligência médica. Em função da violência, deparamo-nos com um número cada vez maior de jovens atingidos por armas de fogo, acidentes automobilísticos e outras conseqüências do uso indiscriminado de drogas. Adultos idosos ou não acometidos de doenças neurológicas, muitas degenerativas. O preconceito está em nós! Todos somos algozes e vítimas dele, aprisionados na violência das idéias pré-concebidas e conceitos impostos sem reflexão.

Mas quando não era e passa a ser?
A pessoa que se pensava poderosa e depara-se com a instalação da deficiência em sua vida adulta, passa a ser objeto de discriminação não só dos outros mas de si mesma. Sofre pelos preconceitos que imputava ao ver um deficiente.

Armadilhas do destino?
Creio que não. A crueldade venha de quem for não deve ser perdoada. A pessoa que carrega consigo tamanha frieza em relação ao outro, sucumbiu à miséria da própria vida, constituiu-se em relação a um mundo social já construído que tem predominância sobre ele, ou referindo novamente, a super valorização da estética, o fetiche da mercadoria e a força do poder. Fechou as portas para a capacidade de amar, de solidariedade e de reflexão, e o sentimento de potência é substituído pelo de vergonha. Enfim, a barbárie do preconceito contra todos e de todos pode findar, quando for extirpada a crueldade contra os homens e descortinada a escuridão que encobre o esclarecimento, para que a VIDA de fato tenha valor.

Terminologia “Politicamente Correta”:
Aleijado; defeituoso; incapacitado; inválido:
Estes termos eram utilizados com freqüência até a década de 80. A partir de 1981, por influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começa-se a escrever e falar pela primeira vez a expressão pessoa deficiente. O acréscimo da palavra pessoa, passando o vocábulo deficiente para a função de adjetivo, foi uma grande novidade na época. No início, houve reações de surpresa e espanto diante da palavra pessoa: “Puxa, os deficientes são pessoas!?” Aos poucos, entrou em uso a expressão pessoa portadora de deficiência, freqüentemente reduzida para portadores de deficiência. Por volta da metade da década de 90, entrou em uso a expressão pessoas com deficiência, que permanece até os dias de hoje.

Cadeira de rodas elétrica:
Trata-se de uma cadeira de rodas equipada com um motor. TERMO CORRETO: cadeira de rodas motorizada.

Ceguinho:
O diminutivo ceguinho denota que o cego não é tido como uma pessoa completa. TERMOS CORRETOS: cego; pessoa cega; pessoa com deficiência visual.

Criança excepcional:
TERMOS CORRETOS: criança com deficiência intelectual, criança com deficiência mental. Excepcionais foi o termo utilizado nas décadas de 50, 60 e 70 para designar pessoas com deficiência intelectual. Com o surgimento de estudos e práticas educacionais nas décadas de 80 e 90 a respeito de altas habilidades ou talentos extraordinários, o termo excepcionais passou a referir-se tanto a pessoas com inteligências múltiplas acima da média [pessoas superdotadas ou com altas habilidades e gênios] quanto a pessoas com inteligência lógico-matemática abaixo da média [pessoas com deficiência intelectual] ¾ daí surgindo, respectivamente, os termos excepcionais positivos e excepcionais negativos, de raríssimo uso.

Defeituoso físico:
Defeituoso, aleijado e inválido são palavras muito antigas e eram utilizadas com freqüência até o final da década de 70. O termo deficiente, quando usado como substantivo (por ex., o deficiente físico), está caindo em desuso. TERMO CORRETO: pessoa com deficiência física.

Deficiência mental leve, moderada, severa, profunda:
TERMO CORRETO: deficiência intelectual (sem especificar nível de comprometimento). A partir da Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual, aprovada em 6/10/04 pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2004), em conjunto com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o termo “deficiência mental” passou a ser “deficiência intelectual”. Antes, em 1992, a Associação Americana de Deficiência Mental adotou uma nova conceituação da deficiência intelectual (até então denominada “deficiência mental”), considerando-a não mais como um traço absoluto da pessoa que a tem e sim como um atributo que interage com o seu meio ambiente físico e humano, o qual deve adaptar-se às necessidades especiais dessa pessoa, provendo- lhe o apoio intermitente, limitado, extensivo ou permanente de que ela necessita para funcionar em 10 áreas de habilidades adaptativas: comunicação, autocuidado, habilidades sociais, vida familiar, uso comunitário, autonomia, saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, lazer e trabalho. A classificação em leve, moderada, severa e profunda foi instituída pela OMS em 1968 e perdurou até 2004.

Deficiente mental: (quando se referir a uma pessoa com transtorno mental). TERMOS CORRETOS: pessoa com transtorno mental, paciente psiquiátrico. Consultar “lei sobre os direitos das pessoas com transtorno mental.

Doente mental: (quando se referir a uma pessoa com deficiência intelectual)
TERMO CORRETO: pessoa com deficiência intelectual (esta deficiência ainda é conhecida como deficiência mental). O termo deficiente, usado como substantivo (por ex.: o deficiente intelectual), tende a desaparecer, exceto em títulos de matérias jornalísticas por motivo de economia de espaço.

Inválido: (quando se referir a uma pessoa que tenha uma deficiência)
A palavra inválido significa sem valor. Assim eram consideradas as pessoas com deficiência desde a Antiguidade até o final da Segunda Guerra Mundial. TERMO CORRETO: pessoa com deficiência.

Mongolóide; mongol:
TERMOS CORRETOS: pessoa com síndrome de Down, criança com Down, uma criança Down. As palavras mongol e mongolóide refletem o preconceito racial da comunidade científica do século 19. Em 1959, os franceses descobriram que a síndrome de Down era um acidente genético. O termo Down vem de John Langdon Down, nome do médico inglês que identificou a síndrome em 1866. “A síndrome de Down é uma das anomalias cromossômicas mais freqüentes encontradas e, apesar disso, continua envolvida em idéias errôneas... Um dos momentos mais importantes no processo de adaptação da família que tem uma criança com síndrome de Down é aquele em que o diagnóstico é comunicado aos pais, pois esse momento pode ter grande influência em sua reação posterior.” (MUSTACCHI, 2000).

Mudinho:
Quando se refere ao surdo, a palavra mudo não corresponde à realidade dessa pessoa. O diminutivo mudinho denota que o surdo não é tido como uma pessoa completa. TERMOS CORRETOS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. Há casos de pessoas que ouvem (portanto, não são surdas) mas têm um distúrbio da fala (ou deficiência da fala) e, em decorrência disso, não falam.

O Epilético :(ou a pessoa epilética)
TERMOS CORRETOS: a pessoa com epilepsia, a pessoa que tem epilepsia. Evite “o epilético”, “a pessoa epilética” e suas flexões em gênero e número.

O incapacitado: (ou a pessoa incapacitada)
TERMO CORRETO: a pessoa com deficiência. A palavra incapacitado é muito antiga e era utilizada com freqüência até a década de 80. Evite “o incapacitado”, “a pessoa incapacitada” e suas flexões em gênero e número.

O paralisado cerebral: (ou a pessoa paralisada cerebral)
TERMO CORRETO: a pessoa com paralisia cerebral. Evite “o paralisado cerebral”, “a pessoa paralisada cerebral” e suas flexões em gênero e número.

Pessoa normal:
TERMO CORRETO: pessoa sem deficiência; pessoa não-deficiente. A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável e ultrapassado.

Pessoa presa [confinada, condenada ] a uma cadeira de rodas:
TERMOS CORRETOS: pessoa em cadeira de rodas; pessoa que anda em cadeira de rodas; pessoa que usa cadeira de rodas. Os termos presa, confinada e condenada provocam sentimentos de piedade. No contexto coloquial, é correto o uso dos termos cadeirante e chumbado.

Pessoas ditas deficientes:
TERMO CORRETO: pessoas com deficiência. A palavra ditas, neste caso, funciona como eufemismo para negar ou suavizar a deficiência, o que é preconceituoso.

Pessoas ditas normais:
TERMOS CORRETOS: pessoas sem deficiência; pessoas não-deficientes. Neste caso, o termo ditas é utilizado para contestar a normalidade das pessoas, o que se torna redundante nos dias de hoje.

Portador de deficiência:
TERMO CORRETO: pessoa com deficiência. No Brasil, tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996, o uso do termo portador de deficiência (e suas flexões no feminino e no plural). Pessoas com deficiência vêm ponderando que elas não portam deficiência; que a deficiência que elas têm não é como coisas que às vezes portamos e às vezes não portamos (por exemplo, um documento de identidade, um guarda-chuva). O termo preferido passou a ser pessoa com deficiência. Aprovados após debate mundial, os termos “pessoa com deficiência” e “pessoas com deficiência” são utilizados no texto da Convenção Internacional de Proteção e Promoção dos Direitos e da Dignidade das Pessoas com Deficiência, em fase final de elaboração pelo Comitê Especial da ONU.

Retardo mental, retardamento mental:
TERMOS CORRETOS: deficiência intelectual. São pejorativos os termos retardado mental, mongolóide, mongol, pessoa com retardo mental, portador de retardamento mental, portador de mongolismo etc. Tornaram-se obsoletos, desde 1968, os termos: deficiência mental dependente (ou custodial), deficiência mental treinável (ou adestrável), deficiência mental educável.

Surdinho:
TERMOS CORRETOS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. O diminutivo surdinho denota que o surdo não é tido como uma pessoa completa. Os próprios cegos gostam de ser chamados cegos e os surdos de surdos, embora eles não descartem os termos pessoas cegas e pessoas surdas.

Surdo-mudo:
GRAFIAS CORRETAS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. Quando se refere ao surdo, a palavra mudo não corresponde à realidade dessa pessoa.

REFERÊNCIAS
SASSAKI, R.K. Terminologia sobre Deficiência na Era da Inclusão. Programa Senai de Ações Inclusivas.
SCHEWINSKY, S. R. A barbárie do preconceito contra o deficiente – todos somos vítimas. ACTA FISIÁTR. 2004; 11(1): 7-11
SILVA, L.M. O estranhamento causado pela deficiência: preconceito e experiência. Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006.

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